“Incompetência incendeia patrimônio paulista”.

No pulsante coração do Brasil, espera-se que São Paulo, a metrópole colossal, seja uma referência segura para as demais cidades espalhadas pelo país. A maior cidade deve idealmente exemplificar excelência em todas as esferas possíveis, desde serviços básicos como saneamento e educação até a administração de seu patrimônio histórico. A triste realidade, porém, é que no tocante à preservação do patrimônio histórico, São Paulo se torna um emblema contundente de apatia e negligência ao invés de se firmar como referência.

Essa negligência tem grave peso na preservação da história da cidade, que já ultrapassa os quatro séculos de existência. O resultado dessa falta de cuidado lembra as cidades chinesas que brotaram como resultado de explosões urbanísticas das décadas de 1980 e 1990, oscilando entre a ausência de construções históricas que reflitam nosso passado colonial e imperial e a deterioração gradual de estruturas antigas.

Deturpar essa realidade seria um grave erro, a São Paulo do início do século 20 também está escorregando progressivamente para as brumas do esquecimento. Palacetes erigidos por industriais florescentes, casas adjacentes construídas pelos “capomastri”, imigrantes italianos que forjaram São Paulo à imagem de suas cidades natais e também os bravos pedreiros nordestinos que sustentavam suas famílias erguendo casas, mansões e edifícios, tudo isso está desaparecendo.

O recentemente aprovado plano diretor reforça o temor de um esvanecimento total de nossa memória histórica e de nossa dignidade como povo paulistano. A cidade parece fadada a ser dominada por interesses de construtoras e imobiliárias que transformam São Paulo em um caos urbanístico e o cotidiano do cidadão num inferno de concreto.

O atual prefeito da metrópole, Ricardo Nunes (MDB), apesar do cargo que ocupa, parece relutar em intervir na preservação do patrimônio histórico. O discurso adotado, bem como ações, ou a falta delas, dão clássicas indicações de uma favorável inclinação ao setor imobiliário, ignorando completamente a história e a cultura que vem sendo sacrificadas.

O recente anúncio do Seminário “Real Estate” só fortalece a ideia de um prefeito que parece estar mais comprometido com interesses imobiliários do que com a preservação da identidade histórica e do patrimônio cultural da cidade. Aqui, a classe empresarial engajada no setor imobiliário parece estar cega para o fato de que crescimento econômico e preservação histórica podem caminhar de mãos dadas.

O incêndio ocorrido na última semana que reduziu a cinzas o histórico casarão da rua Cardoso de Almeida, nas Perdizes, é aterradora evidência da grave situação que enfrentamos. A falta de pronunciamento público por parte de órgãos responsáveis como a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) ou a secretária Aline Torres é ainda mais assustadora.

É uma verdade que há muito tempo o foco na SMC está voltado para a produção de eventos, confundindo cultura com entretenimento. Embora o entretenimento possa ser parte integrante da cultura, a degradação acontece quando um devora o outro.

A situação encontrada em São Paulo nos leva a uma angustiante soma de problemas envolvendo a cultura, a memória e o patrimônio histórico da cidade que agora está literalmente sendo reduzida a cinzas. Apenas resta-nos esperar por uma intervenção milagrosa, enquanto São Paulo luta para respirar, embora pareça estar respirando por aparelhos.

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