A escritora Vilma Arêas se consolida no mundo literário com sua coletânea de livros, alcançando status de clássica.

No mundo da literatura, a reunião da obra ficcional de Vilma Arêas em um único volume é um momento de grande destaque. Intitulado “Todos Juntos (1976-2023)”, o livro permite ao leitor apreciar o valor dessa obra de uma forma totalmente nova, colocando-a ao lado de outras “obras completas” e “grandes obras” que definem a cena literária das últimas décadas.

A trajetória dessa obra é singular, assim como o estilo único de Vilma Arêas ao contar histórias. Em “Todos Juntos”, organizado por Samuel Titan Jr., os contos são apresentados em ordem cronológica decrescente, começando com o livro inédito de 2023, intitulado “Tigrão”, e terminando com “Partidas”, seu primeiro livro de 1976.

A obra de Arêas vem marcando presença no cenário editorial ao longo dos anos, sendo lançada aproximadamente a cada dez anos. Ela já ganhou vários prêmios e é respeitada pela crítica mais atenta. Os livros são sempre coletâneas de narrativas curtas, muitas vezes extremamente curtas, que se tornaram a marca registrada da autora.

Ao percorrer as narrativas do mais recente ao mais antigo, é possível perceber desde os primeiros livros as raízes de uma estética dual que permeia toda a obra. Por um lado, há um certo experimentalismo cético e irônico, que provoca estranhamentos, como nos contos-verbetes de “Partidas”. Por outro lado, no segundo livro, “Aos Trancos e Relâmpagos” (1988), Arêas explora a memória, evocando a infância, a empatia e a ternura, sem cair no sentimentalismo.

A partir dos anos 2000, com os lançamentos de “Trouxa Frouxa” (2000), “Vento Sul” (2011) e “Um Beijo por Mês” (2018), a autora consolidou seu domínio da forma curta na escrita. Suas narrativas curtas e curtíssimas exploram diferentes formatos, como as histórias “minúsculas” de “Tigrão”, os “instantâneos” no mesmo livro, e os microtextos chamados “cromos” de “Trouxa Frouxa”. Além disso, ela também utiliza sequências de mininarrativas ou cenas em que um conto se fragmenta em partes menores, como peças de um jogo de desmontar.

Essa diversidade de formas reflete a diversidade de situações narradas nas obras de Arêas, algumas delas autobiográficas ou autoficcionais. Os temas abordados são variados e se entrelaçam de maneira sinuosa, evitando a fixação de sentidos pré-determinados. A ficção fragmentada de Vilma Arêas tem como base um princípio crítico consistente: ela é inimiga de sistemas congelados, dogmas, ideologias e ideias pré-concebidas.

Algumas das narrativas são um pouco mais longas e parecem responder ao simples desejo ou à necessidade básica de contar uma história, impulsionadas pela evocação de fantasmas, lembranças e afetos que permanecem vivos na mente, servindo como ponto de partida para a elaboração narrativa, ficcional e poética.

Dentre esses pontos de partida, destaca-se a recorrência de memórias traumáticas da ditadura, com histórias de tortura e exílio vividas pela autora. Essa perspectiva política permeia boa parte de sua obra ficcional. Outros temas recorrentes são a infância, o senso preciso de localização espacial, com destaque para a região de Campos e da foz do rio Paraíba do Sul, os desencontros amorosos e as cenas que revelam uma consciência aguda da realidade social desigual do Brasil, sabotando a própria possibilidade de narração.

Os dois últimos livros de Arêas refletem sua tentativa de lidar com o Brasil de direita que emergiu nos últimos cinco anos. Em relação a isso, surge a relação ambígua da narradora com Tigrão, um personagem violento do crime e da repressão, a quem ela deve um favor de vida e morte. Essa relação oscila entre o repúdio e a gratidão, entre a ética e o afeto, apresentando um dilema bastante atual.

Em “Um Beijo por Mês”, o conto intitulado “A entrevista” relata a participação da própria autora (ou de uma máscara autoficcional) em um debate sobre seu livro “Aos Trancos e Relâmpagos”. Nesse debate, seu livro é ameaçado de ser visto como imoral devido a uma leitura distorcida e doentia das relações com crianças retratadas na obra. Isso é apenas mais um exemplo dos tempos em que vivemos.

Em resumo, a obra ficcional de Vilma Arêas é uma reunião de contos curtos e curtíssimos que exploram uma ampla gama de formas e temas. Sua ficção fragmentada é marcada por experimentações estéticas, memórias pessoais e uma crítica constante a sistemas congelados e ideologias dogmáticas. Com “Todos Juntos (1976-2023)”, Arêas se consolida como uma das grandes vozes literárias da cena contemporânea.

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