Luzia da Silva ressignificou a tortura em um ato de resistência, no século 18.

Luzia da Silva Soares, uma escravizada nascida por volta de 1702 em um pequeno vilarejo próximo a Olinda, ganhou destaque na história do Brasil por conta de acusações de feitiçaria feitas contra ela pelo Juízo Eclesiástico, que encaminhou o caso ao Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa.

Luzia nasceu em um engenho de propriedade de um homem chamado João Soares, onde também vivia sua mãe. No entanto, o senhor perdeu toda a sua escravaria em um jogo e decidiu minimizar as perdas aproveitando a ascensão da região aurífera, que estava sendo explorada desde o final do século 17. Ainda criança, Luzia foi vendida para as Minas Gerais, onde passou a viver na casa de Maria Gomes, que a tratava como uma filha.

Porém, como escravizados eram considerados propriedades negociáveis, Luzia foi repassada para outros donos ao longo de sua vida, se deslocando entre Ouro Preto e Ribeirão do Carmo. Apesar das dificuldades impostas por sua condição, ela manteve memórias de uma vida pacífica até que seu senhor, Manuel da Silva Preto, faleceu, e ela foi entregue ao irmão falecido, José da Silva, que a cedeu a seu genro, Domingos de Carvalho.

As acusações contra Luzia começaram em 1738, quando sua senhora, Josefa Maria, tentou puni-la e acabou sentindo uma forte dor no braço ao tentar abrir a porta da senzala. A partir desse momento, uma série de eventos extraordinários começaram a ser atribuídos às ações de feitiçaria de Luzia. Na presença dela, Josefa Maria sofria de terríveis enxaquecas, sua boca fervia quando Luzia colocava água para ferver e seu braço ficava inerte quando tentava castigá-la com um chinelo.

As suspeitas contra Luzia aumentaram, chegando ao ponto de acusá-la de infanticídio ao sugerirem que ela teria sugado o sangue de um recém-nascido da casa. Alegava-se também que ela se transformava em borboleta para entrar na casa pelas janelas e praticar o mal. Além disso, Luzia era acusada de enterrar bonecos com agulhas nos caminhos e encruzilhadas, bem como de dormir com o marido de Josefa Maria.

O processo de tortura infligido a Luzia foi registrado e demonstra a crueldade e o sadismo dos inquisidores. Ela foi submetida a torturas com tenazes de ferro em brasa, costuraram sua língua e atearam fogo em seus pés. Seus dedos, tanto das mãos quanto dos pés, foram quebrados, transformando-a em uma representação negra de Cristo.

No entanto, quando os interrogatórios começaram em Lisboa, Luzia negou todas as acusações. Os inquisidores perceberam que as primeiras confissões haviam sido obtidas pelo tio de Josefa Maria, o padre José de Andrade, e decidiram reinquirir as testemunhas que haviam deposto em Minas Gerais. Muitas confirmaram a inocência de Luzia, pois ela não havia sido torturada em Lisboa.

Em maio de 1745, o Santo Ofício encerrou o processo e libertou Luzia, desafiando o poder dos senhores. No entanto, após sua libertação, perde-se o rastro de Luzia da Silva Soares.

O caso de Luzia demonstra o desconforto dos inquisidores diante de torturas sádicas e desordenadas, que não estavam de acordo com a lógica da Inquisição. Ela é apenas uma das muitas vítimas da injustiça escravista que permeou a história do Brasil e sua saga é uma prova das injustiças que o povo brasileiro enfrentou e ainda enfrenta.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo