Comunidades quilombolas e indígenas unem-se para preservar legado de consciência ambiental.

As plantas da roça, o barulho do rio, o rochedo do monte, o canto dos pássaros, o movimento das manhãs e o silêncio da noite são elementos que trazem consigo a herança das comunidades tradicionais. Para essas comunidades, a paternidade vai muito além da transmissão de bens materiais, está relacionada ao legado que permanece vivo. Na Aldeia Barreto Preto, localizada em São João das Missões (MG), o indígena Hilário Kanaykõ Xakriabá, de 62 anos, compartilha sua visão sobre a herança: “O pai deve passar tudo. É um livro aberto a ensinar. Herança não tem o mesmo sentido que se tem em grandes cidades. Há uma diferença grande de olhar”.

Hilário recebeu do pai a herança de reverenciar as palavras e os gestos, um legado que ele passou aos seus quatro filhos. Na comunidade em que vive, cerca de mil pessoas praticam a agricultura de subsistência, cultivando milho, feijão, arroz, abóbora e melancia. Segundo Hilário, “é preciso respeitar o meio ambiente para a roça e para a pesca continuarem vivas”. Ele destaca que seu povo está distribuído em 42 aldeias, incluindo os povoados que vivem em Itacarambi, cidade vizinha.

No povo pataxó, o cacique José Fragoso, de 71 anos, explica que a herança é sinônimo de luta. Ele vive na Aldeia Tibá, em Bom Jesus da Lapa (BA), e é pai de cinco filhos. Fragoso busca transmitir aos seus filhos e aos mais de 100 habitantes da aldeia os ensinamentos que recebeu do pai e do avô. “O pai é como um professor. O que eu ouvi, passei pra eles”, afirma o cacique.

Florisvaldo Rodrigues, de 51 anos, é morador da comunidade quilombola Araçá Cariacá, também em Bom Jesus da Lapa (BA). Ele destaca a gratidão que sente em relação à comunidade de mais de 700 pessoas e ressalta o maior presente que recebeu como pai: o apoio de todos na criação de seu filho deficiente auditivo, Marcos Flávio da Silva, de 25 anos. Para Florisvaldo, o suporte da comunidade foi fundamental para que seu filho se desenvolvesse e alcançasse um grande feito, jogar na Seleção Brasileira para pessoas com deficiência auditiva, sediada em Brasília.

Marcos Flávio expressa seu amor pela comunidade e pelo pai que o motivou a buscar seus sonhos. Ele se sente muito feliz e grato por ser aceito pela comunidade mesmo sendo surdo. O jovem declara que quer ajudar sua família e não encontra palavras suficientes para expressar sua gratidão ao pai. O sonho realizado do filho é motivo de comemoração diária para Florisvaldo.

Assim, nas comunidades tradicionais, a herança vai além de bens materiais, está intrinsecamente ligada à transmissão de valores, conhecimentos e ao apoio mútuo entre pais e filhos. Essas experiências são passadas de geração em geração, criando um legado que se perpetua e fortalece as comunidades tradicionais.

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