do procedimento revelados em um relato emocionante de um paciente que viveu um milagre médico.

A mensagem chegou por volta das 23h da noite: “Oferta de coração”. Um jovem de 15 anos em São Carlos, a cerca de 230km da cidade de São Paulo, tinha sido diagnosticado com morte cerebral. Junto com a mensagem, veio a ficha do paciente, indicando que ele estava apto para doação. Os laudos mostraram que seu perfil era compatível com o de um homem de 40 anos que estava há quatro meses na fila de transplantes do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo.

Imediatamente, a enfermeira de plantão no Núcleo de Transplantes do InCor acionou a equipe e começou a organizar a logística. Na manhã seguinte, membros da equipe já estavam em São Carlos e retornaram ao InCor no horário do almoço, transportando o órgão em uma maletinha vermelha e branca em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Quando chegaram ao centro cirúrgico, o receptor já estava sedado e a equipe médica estava pronta para realizar a cirurgia. Menos de 24 horas após a morte do jovem em São Carlos, seu coração estava batendo no peito de outro homem em São Paulo.

Essa é a dinâmica de um transplante: uma história termina para outra começar. Envolve morte, luto, esperança e vida. E por trás disso tudo está uma ampla rede de profissionais que trabalham incessantemente para manter o maior programa público de transplantes do mundo funcionando, através do Sistema Único de Saúde (SUS).

O paciente que recebeu o coração do jovem de São Carlos foi o 30º transplantado este ano no InCor. Desde janeiro, o instituto também realizou nove transplantes de coração em crianças e 16 de pulmão. O aviso de compatibilidade entre doador e receptor chegou através do computador da sala do Núcleo de Transplantes, criado há uma década no InCor. A equipe é composta por aproximadamente trinta profissionais que se revezam em uma escala contínua, conscientes do tempo, que também não para nos quartos de internação.

O número de transplantes no InCor aumentou significativamente desde a criação do núcleo em 2013. Entre 2002 e 2012, foram realizados 473 transplantes, enquanto que desde 2013 até o momento atual foram realizados mais de mil transplantes. O InCor é o centro médico que mais realiza transplantes de coração e pulmão na América Latina e está em sétimo lugar no mundo em transplantes cardíacos.

Um dos principais desafios enfrentados nessa área é a logística. Antes, os órgãos só estavam disponíveis em uma área de até 100km do InCor, mas atualmente mais da metade dos doadores estão além dessa distância. Graças a parcerias com a Secretaria estadual da Saúde, doações são realizadas em parceria com a Polícia Militar, Polícia Civil e Força Aérea Brasileira, além de verba ser destinada para voos fretados. A partir deste mês, a Polícia Rodoviária Federal também irá ajudar no transporte. O objetivo é garantir que o órgão não demore mais do que quatro horas para chegar ao receptor.

Outros avanços importantes incluem melhorias nas soluções de preservação dos órgãos, que os mantêm protegidos por mais tempo, e a ampliação dos painéis imunológicos, que permitem uma maior precisão na compatibilidade entre doador e receptor.

Há 50 anos, o cenário dos transplantes era completamente diferente. O primeiro transplante de coração no Brasil ocorreu em 1968, um ano após o primeiro transplante do mundo. No entanto, os transplantes ficaram parados por mais de uma década devido ao problema da rejeição. Somente nos anos 1980 surgiram os imunossupressores, que foram fundamentais na prevenção da rejeição nos transplantes.

Apesar de todos esses avanços, ainda há uma grande barreira a ser enfrentada: a falta de doadores. Acredita-se que mais de mil pessoas precisariam receber transplantes de coração anualmente, mas somente cerca de 350 são realizados no Brasil. Países como Estados Unidos e Espanha possuem uma taxa de doadores muito maior em relação à população do que o Brasil.

Enquanto no Brasil a doação de órgãos depende da autorização da família, na Espanha todo cidadão é considerado um doador, a menos que tenha expressado o contrário. A diferença é significativa e um projeto de lei apresentado neste ano propõe a mudança para que a doação de órgãos também seja presumida no Brasil.

Dessa forma, é necessário exaltar os casos de sucesso, aqueles em que uma pessoa começa uma nova vida após um transplante. Esta semana, o paciente transplantado no InCor teve êxito e conseguiu ser extubado no mesmo dia da cirurgia. O cirurgião cardiovascular Samuel Steffen destacou que não houve nenhum problema durante a cirurgia ou no pós-operatório, e que o paciente está se recuperando bem.

Enquanto mais e mais vidas são salvas através dos transplantes, é fundamental promover a conscientização sobre a importância da doação de órgãos. Ainda há muito a ser feito, mas o trabalho incansável dos profissionais envolvidos nesse programa público de transplantes no Brasil é um testemunho do comprometimento em salvar vidas.

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