O psicanalista alerta para o colapso do modelo atual de maternidade, apontando a necessidade de reflexão e mudanças.

Ao longo dos séculos, as mulheres têm sido sobrecarregadas com a responsabilidade pelos cuidados, devido à ideologia maternalista. No entanto, nos dias de hoje, as mães se cobram ainda mais, buscando atingir uma maternidade perfeita, o que acaba levando ao burnout materno. A psicanalsita Vera Iaconelli escreveu um livro chamado “Manifesto Antimaternalista”, lançado no dia 15, onde explora as razões por trás desse colapso da maternidade.

A ideologia maternalista é baseada na ideia de que a responsabilidade pelos cuidados é exclusivamente das mulheres. Essa ideia começou a ganhar força a partir do século XIX, quando as mulheres também passaram a ter um papel de provedoras financeiras. No entanto, mesmo após mais de um século, essa ideologia ainda domina e é preciso entender sua origem e funcionamento para se livrar dela.

A decisão de escrever um manifesto anti-maternalista foi motivada pelo fato de que as mulheres estão adoecendo devido às múltiplas demandas que enfrentam, como serem mães, esposas, terem vida social, além de trabalhar. A psicanálise procura investigar por que não conseguimos sair dessa equação e como reproduzimos um modelo que nos causa sofrimento.

O livro também aborda a noção de instinto materno, mostrando que no século XVIII esse conceito não era suficiente para garantir os cuidados das crianças, levando muitas delas a serem colocadas em orfanatos. A autora defende que o instinto materno é uma construção social e que ele varia de acordo com a cultura e o tempo histórico.

No passado, a mulher foi recompensada pelo seu papel de criar bons cidadãos para a pátria. Com o início do capitalismo, as mulheres foram pressionadas a abdicar de suas vidas pessoais em favor da maternidade. Essa imposição social trouxe consigo uma compensação narcísica, conferindo às mulheres um status elevado.

Atualmente, ainda existe uma exaltação da ideia de ser uma mulher “bela, recatada e do lar”, que cuida da casa, dos filhos e do marido. Essa pressão é reforçada pelas redes sociais, que pregam a ideia de um autocuidado perfeito, onde é preciso estar sempre bem, sem falhas.

Com o acesso à informação, as mães sentem a pressão de serem perfeitas, desde restringir o uso de telas até garantir refeições balanceadas e saudáveis para os filhos. No entanto, a autora argumenta que o objetivo atual da maternidade é criar CEOs, sujeitos altamente performáticos e adaptados às demandas capitalistas. Esse modelo acaba sobrecarregando as mães e levando muitas delas a desejar desistir da maternidade.

O modelo atual de maternidade está próximo do colapso, principalmente no Brasil, onde metade das famílias é chefiada por mulheres. Essas mulheres precisam trabalhar fora para sustentar suas famílias, o que acaba gerando uma cadeia de mulheres, onde a responsabilidade pelos cuidados acaba sendo passada para outras mulheres.

A psicanalista relata que tem atendido muitos casos de burnout materno em seu consultório. As mulheres estão sobrecarregadas não apenas com os cuidados e as demandas financeiras, mas também com a culpa por não conseguirem dar conta de tudo. A autora questiona a mentalidade que nos leva ao burnout, destacando a necessidade de não sermos capturadas por essa fantasia de performance.

A saída para essa situação é a mudança de mentalidade. À medida que nos conscientizamos das pressões, podemos mudar nossa perspectiva. A psicanalista compara essa mudança com a questão racial no Brasil, onde a mudança de mentalidade força mudanças políticas. Estamos testemunhando uma mudança de paradigma, onde o modelo atual não se sustenta mais e as mentalidades estão começando a mudar.

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