Estatuto da Pessoa Idosa completa 20 anos e evidencia desafios enfrentados por idosos no Brasil

A trajetória de vida da mineira Maria de Fátima Lopes, desde jovem até a terceira idade, pode ser resumida em um instante. Durante sua adolescência, seu sonho de se tornar professora foi prontamente proibido pelo pai. Como a mais velha de oito irmãos, ele acreditava que ela deveria abandonar a escola no ensino fundamental para ajudar a cuidar da família. Aos 21 anos, Maria pensou em retomar os estudos, porém, dessa vez, seu marido também a proibiu. Para ele, como mulher, seu primeiro dever era cuidar dos filhos. Assim, aos 28 anos, ela se viu trabalhando como doméstica, deixando de lado suas próprias aspirações.

Atualmente, aos 60 anos de idade, Maria é uma idosa negra que mora no Paranoá, uma região periférica do Distrito Federal. Mesmo nessa fase da vida, ela não desistiu de seus sonhos e fica triste quando a chamam de velha. Nos finais de semana, quando não está trabalhando como auxiliar de limpeza em Brasília, ela cuida de seus netos. Durante a semana, passa a maior parte do tempo sozinha em casa após o trabalho, das 6h às 15h. Ela confessa que, às vezes, sente solidão e se arrepende de não ter cuidado mais de si mesma.

Neste domingo (1º), o Estatuto da Pessoa Idosa completa 20 anos. Quando foi aprovado, o Brasil contava com cerca de 15 milhões de idosos. Duas décadas depois, esse número mais que dobrou, alcançando mais de 33 milhões de pessoas. No entanto, os desafios enfrentados pelas pessoas idosas em situação de vulnerabilidade ainda são significativos em um país diverso como o Brasil, como aponta a pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

De acordo com a pesquisadora, a Constituição de 1988 estabelece que os pais devem cuidar dos filhos, e os filhos devem cuidar dos pais. No entanto, na prática, são as mulheres as principais cuidadoras. No entanto, depois de cumprirem esse papel, muitas não têm alguém para cuidar delas. Esse padrão de gênero também revela disparidades e características próprias, expondo o machismo e o racismo presentes na sociedade.

Um público especialmente vulnerável é o das mulheres negras, que vivem mais do que os homens, porém passam por um período maior de fragilidades físicas, mentais e cognitivas. Além disso, a pesquisadora destaca a importância de considerar as diferenças por raça, gênero e classes sociais no Estatuto da Pessoa Idosa, pois esses aspectos não são abordados de forma específica no documento.

Outro ponto de crítica levantado por Ana Amélia Camarano é a responsabilização criminal das famílias que não cuidam dos idosos, enquanto a mesma eficácia não é aplicada ao papel do Estado. Ela ressalta que é necessário um olhar mais amplo para a diversidade de realidades, como exemplificado pelos dados do Atlas da Violência, que mostram a diferença na expectativa de vida entre idosos negros e não negros.

Diante desses desafios, o secretário da Pessoa Idosa, Alexandre Silva, destaca a importância de garantir que todos os grupos sociais tenham os mesmos direitos para envelhecer com dignidade. Ele ressalta que as pessoas idosas são o grupo social que mais cresce no país e que é fundamental o papel dos governos federal, estadual e municipal, da comunidade e das famílias para atender às demandas desse segmento.

O senador Paulo Paim, autor da lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa Idosa, reconhece que revisões podem ser necessárias, mas destaca que o documento atualmente contempla os direitos dos idosos de forma adequada. No entanto, ele ressalta a importância de valorizar o salário mínimo, já que a maioria dos idosos recebe no máximo dois salários. Além disso, o senador defende a ampliação das políticas de combate ao preconceito e à violência contra os idosos, citando o exemplo do Japão, onde esses temas são abordados desde a infância.

Em síntese, o Estatuto da Pessoa Idosa completa 20 anos neste domingo, representando uma conquista importante para garantir direitos e proteção para essa parcela da população. No entanto, ainda são necessários avanços para enfrentar as disparidades de gênero, raça e classe social, especialmente para os grupos mais vulneráveis, como mulheres negras e idosos LGBT. A revisão do estatuto e a adoção de medidas que proporcionem igualdade de oportunidades para envelhecer com dignidade são fundamentais para construir uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com os idosos.

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