Desigualdade racial persiste no serviço público brasileiro, com baixa representatividade e salários menores para negros, aponta estudo.

Mais da metade da população do Brasil é composta por pessoas negras, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, quando se trata do serviço público, os negros representam uma minoria e enfrentam desigualdades salariais em comparação com os brancos. Essa constatação foi revelada por um levantamento realizado pela ONG República.org, que busca melhorar a gestão de pessoas no setor público.

Segundo o estudo, apenas 35,09% dos servidores públicos ativos do executivo federal são negros, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape) de 2020. Isso evidencia uma grande diferença em relação à representatividade da população negra no país. A gerente de Dados e Comunicação da República.org, Vanessa Campagnac, destaca que essa desigualdade de acesso pode ser observada no retrato político-social da sociedade brasileira e também se reflete na seleção dos candidatos em concursos públicos.

A pesquisa ainda revela que a baixa representatividade dos negros é mais acentuada nos cargos de maior importância e remuneração no serviço público. Por exemplo, dos 240 cargos de direção e assessoramento superior de nível 6 (DAS-6), apenas 35 eram ocupados por negros. Esses cargos de livre nomeação exigem uma rede de contatos que muitas vezes é construída ao longo da vida, e pessoas negras e indígenas têm menor acesso a essas oportunidades devido às desigualdades históricas.

Outro ponto relevante é a disparidade entre brancos e negros em relação às carreiras de estado, como diplomatas, e de gestão, como analistas de planejamento e orçamento, auditores e especialistas. Os brancos ocupam a maioria dessas posições, enquanto os negros representam apenas 23,72%. Vanessa Campagnac aponta que os concursos para essas carreiras costumam ser mais complexos e têm custos que dificultam o acesso, como aquisição de material de estudo e deslocamento. Além disso, as pessoas negras muitas vezes têm menos condições de se dedicar integralmente aos estudos devido à falta de disponibilidade de tempo.

Essas desigualdades também se refletem na remuneração. As mulheres negras, por exemplo, enfrentam uma diferença de 33% em relação aos homens brancos no serviço público. A média salarial líquida para os brancos é de R$ 8.774,20 por mês, enquanto para as negras é de R$ 5.815,50 mensais.

Para combater essas desigualdades, foi criada a Lei de Cotas em 2014, que reserva 20% das vagas em concursos públicos da União para pretos e pardos. Essa política teve resultados positivos, com um aumento significativo no número de negros aprovados nos últimos anos. No entanto, a redução na quantidade de concursos públicos tem prejudicado a efetividade da lei. Em 2020, foram apenas três concursos para 659 cargos, em comparação com 279 concursos realizados em 2014.

Para garantir uma maior equidade racial no serviço público, há propostas para prorrogar a Lei de Cotas por mais dez anos e aumentar a faixa de reserva de 20% para 30%. Isso seria importante não apenas para garantir a presença de mais pessoas negras, mas também para atrair outras pessoas para essas posições de decisão e construir redes de contato mais diversas.

Além disso, a implementação de ações afirmativas nos cargos comissionados também é fundamental para combater as desigualdades. Um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março de 2021 reserva 30% desses cargos para pessoas negras. Essa medida pode ter um efeito multiplicador ao atrair mais pessoas negras para essas posições de destaque.

No entanto, é importante ressaltar que a Lei de Cotas se aplica apenas ao executivo federal e não abrange os Poderes Judiciário e Legislativo, nem estados e municípios. Alguns estados já adotaram suas próprias políticas de reserva de vagas para negros, mas ainda há um longo caminho a percorrer para garantir uma maior equidade no serviço público em todo o país.

Para além das cotas, é importante também investir em outras formas de apoio à população negra, como ajuda de custos para preparação de concursos e deslocamento, e investimento em preparatórios destinados especificamente a pessoas negras. Essas medidas podem acelerar a redução das desigualdades e promover uma maior equidade racial no serviço público.

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