Prática de “cura gay” causa agravos à saúde e promove ideias suicidas, afirma presidente do Conselho Federal de Psicologia.

A chamada “cura gay”, termo utilizado para descrever práticas de terapia de reversão ou conversão à heterossexualidade, é considerada uma forma de tortura que causa sérios danos à saúde, incluindo o surgimento de pensamentos suicidas. O presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Pedro Paulo Bicalho, explicou em uma entrevista à Agência Brasil que essa prática não tem respaldo científico e é proibida desde 1999 por uma resolução do próprio CFP. A bissexualidade e a homossexualidade não são consideradas doenças ou desvios, portanto nenhuma prática que promova a chamada “cura gay” deve ser permitida no país.

Bicalho ressaltou a importância do Brasil reconhecer a saúde pública como uma área laica, especialmente porque a terapia de reversão ocorre, em grande parte, no contexto do fundamentalismo religioso. Segundo ele, isso se tornou um problema de saúde pública, com tentativas de aniquilação da subjetividade das pessoas LGBTQIA+, principalmente por igrejas fundamentalistas. Ele destacou a necessidade de o Brasil enfrentar essa questão e entender que isso está causando sérios danos à saúde mental da população LGBTQIA+.

O psicólogo ainda revelou que a prática da cura gay está disseminada em todo o país, com numerosas pessoas sofrendo os efeitos prejudiciais dessa abordagem. Ele mencionou o caso de Karol Eller, uma bolsonarista encontrada morta em outubro deste ano, que teria sido submetida a uma terapia de conversão na igreja Assembleia de Deus de Rio Verde, em Goiás. Bicalho ressaltou que esse é apenas um dos muitos casos, destacando que a prática da cura gay está longe de ser um caso isolado.

A cientista política Laira Tenca apontou que o Brasil está passando por um aumento do movimento conservador na política, ao mesmo tempo em que há uma maior influência da religião evangélica na sociedade. Esse contexto entra em conflito com a busca por melhorias e garantia de direitos para a comunidade LGBTQIA+. As pessoas LGBTQIA+ estão vivendo em um país onde há avanços nas políticas públicas para essa população, mas também uma maior expressão de discursos de ódio que as transformam em vítimas e questionam sua identidade e existência.

Tenca também comentou sobre os retiros de conversão sexual, onde a homossexualidade e a transexualidade são tratadas como problemas e pecados, e a cura gay se torna associada a discursos religiosos, deixando de ser uma questão exclusivamente relacionada à psicologia. Ela destacou que o sofrimento das pessoas LGBTQIA+ é agravado nesses espaços, onde elas buscam acolhimento e pertencimento, mas são constantemente questionadas e expostas a discursos de ódio.

O psicólogo Héder Bello, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sobrevivente de tentativas de cura gay, apontou que as práticas de reversão têm relação com a pandemia do HIV na década de 80. Naquela época, a comunidade mais conservadora, religiosa e fundamentalista acreditava que o vírus era um castigo de Deus devido à liberdade sexual e às sexualidades que não se encaixavam na heterossexualidade. No entanto, Bello ressaltou que essa visão está completamente fora do campo científico.

Ele também mencionou que as práticas de cura gay no Brasil são difundidas por grupos religiosos, educadores e profissionais não regulamentados, como filósofos e coaches. As técnicas utilizadas incluem orações, jejuns forçados, castigos físicos e psicológicos, isolamento social e até mesmo exorcismos. Bello enfatizou que a comunidade científica, incluindo o CFP, a OMS e a Associação de Psiquiatria Americana, concorda que essas práticas têm efeitos negativos e não há comprovação de que a sexualidade possa ser alterada.

Por fim, o pesquisador alertou que a tentativa de reverter a orientação sexual e a identidade de gênero por meio de castigos, torturas psicológicas e outras práticas causa ansiedade, depressão, transtornos alimentares, automutilação e até mesmo ideações e tentativas de suicídio. A cura gay é uma forma de violência que afeta gravemente a saúde mental das pessoas LGBTQIA+.

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