Deputado dos EUA cassado, filho de brasileiros, vende vídeos em site e anuncia não tentar reeleição.

George Santos, filho de brasileiros cujo mandato de deputado foi cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados dos EUA, agora vende vídeos na plataforma Cameo. Cada registro personalizado do ex-parlamentar, que se apresenta no site como “ex-ícone do Congresso”, sai por US$ 200 (equivalente a R$ 980, na cotação atual), de acordo com a rede britânica BBC.

A decisão de cassação contou com o apoio de legisladores do seu partido. Ele havia sobrevivido a duas tentativas anteriores de cassação e anunciado que não concorreria a um novo mandato na eleição do ano que vem, mas até agora se recusava a renunciar.

Foram 311 votos a favor da cassação, sendo que 105 de republicanos, e 114 contra, dois deles de parlamentares democratas. Dois deputados que estiveram no plenário não votaram. A moção foi motivada por uma série de denúncias de desvio e uso indevido de verbas eleitorais, que em vez de financiar a campanha para a Câmara, pagaram, entre outras coisas, tratamentos de beleza e a assinatura de um site de conteúdo adulto.

Apesar das alegações de falsificação de currículo, de negócios escusos — inclusive no Brasil, onde ele fechou um acordo, em maio, em um caso de estelionato em Niterói (RJ) — e de recebimento indevido de seguro-desemprego, Santos parecia imune às tentativas de cassação, em sua maioria lideradas pelo Partido Democrata. Pelas regras da Câmara, são necessários dois terços dos votos da Casa para que um deputado perca o mandato. Em novembro, quando ocorreu a segunda votação, apenas 179 parlamentares votaram pela expulsão, enquanto 213 foram contra.

“A Câmara falou, é o voto deles”, disse à CNN. “Por que eu iria querer ficar aqui? Ao inferno com esse lugar”.

Ainda não há uma data para a votação do substituto de Santos, que cumprirá o restante do mandato. George Santos despontou como uma das grandes e mais simbólicas vitórias do Partido Republicano nas eleições de 2022 — ele se tornou o primeiro gay assumido a se eleger pela sigla para o Congresso, e venceu em um distrito historicamente dominado pelos democratas no estado de Nova York. Na campanha, adotou a linha conservadora, louvando o ex-presidente Donald Trump e o então presidente brasileiro Jair Bolsonaro. No mês passado, uma comitiva de políticos bolsonaristas, incluindo o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), se encontrou com Santos em Washington.

“Ele deveria ter renunciado. Não deveríamos ter chegado a este ponto. Mas está aí. Agora vamos permitir de fato que o terceiro distrito [de Nova York] escolha um deputado. Alguém em quem possam confiar. Alguém que conheçam” disse ao site Politico o deputado republicano Anthony D’Esposito.

Mesmo antes de assumir o cargo, ele foi alvo de denúncias de que seu currículo impecável estava cheio de inverdades. Passagens que ali constavam pelos bancos Citigroup e Goldman Sachs, por exemplo, foram desmentidas pelas próprias instituições, e universidades pelas quais ele disse ter se formado não confirmaram que ele frequentou as aulas. Ele tentou negar as alegações, feitas inicialmente pelo New York Times, mas acabou cedendo.

Conforme os meses foram passando, as denúncias foram se acumulando. Além das mentiras no currículo, suspeitas de que havia desviado dinheiro de campanha para fins próprios ganharam corpo e motivaram alguns dos 23 processos que ele responde na Justiça Federal americana. Santos chegou a ser detido em maio e precisou pagar fiança de US$ 500 mil para responder os processos em liberdade.

A maré de sorte começou a mudar em 16 de novembro. Um relatório da Comissão de Ética da Câmara, liderada pelo republicano Michael Guest, detalhou em números e nomes as práticas indevidas do deputado. Nas 56 páginas, o documento aponta pagamento de US$ 1,4 mil em um spa em Nova York, em julho de 2022, US$ 4,1 mil em compras na loja de luxo Hermès, US$ 1,5 mil em uma aplicação de botox e a assinatura de um site de conteúdo adulto. Pelas regras, o dinheiro arrecadado poderia ser apenas usado para atividades de campanha.

“O deputados [George] Santos buscou explorar, de forma fraudulenta, todos os aspectos de sua candidatura à Câmara para seu próprio benefício financeiro”, diz o documento, que destroçou de uma vez por todas sua imagem junto aos colegas de partido e pavimentou a cassação nesta sexta. No mesmo dia da divulgação do relatório, ele anunciou que não tentaria a reeleição no ano que vem. Não que suas chances de permanecer no cargo fossem boas: em janeiro, 78% dos eleitores do distrito que o elegeu queriam que renunciasse imediatamente.

Como apontou o site Politico, a votação também ficará marcada na história do Legislativo americano. Desde a Guerra Civil (1861-1865), jamais um deputado sem uma condenação criminal definitiva havia sido cassado — antes de Santos, apenas cinco deputados tinham sido expulsos da Casa, três deles por apoiarem os confederados na Guerra Civil e dois por condenações judiciais.

Pouco antes da cassação, Santos deu uma entrevista à Fox News na qual já antecipava seu destino, e disse que a imprensa exagerou na cobertura de seu caso e até que, se fosse hoje, tentaria fazer as coisas de outra forma.

“Já aceitei o destino. Se for a vontade de Deus me manter aqui, ficarei, e se for sua vontade que eu vá embora, eu irei” disse na entrevista. “De certa forma, acho que trazemos as coisas para nós mesmos. Eu não teria feito certas coisas, teria feito outras de forma diferente? Certamente, sou um adulto e sou maduro o suficiente para aceitar isso”.

Com o anúncio do resultado, Santos pareceu resignado, mas fez críticas à decisão.

“Acabou. Eles abriram um novo e perigoso precedente para eles mesmos” disse a repórteres, na saída do Congresso. “Como não sou mais um membro do Congresso, não tenho mais que responder a perguntas. Essa é uma coisa que levarei comigo para sempre”.

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