Conteúdos incitando violência contra mulheres são amplamente disseminados em fóruns online que permitem anonimato, gerando preocupações sobre segurança.

Um levantamento feito pela consultoria de dados digitais Timelens, encomendado pelo Instituto Avon, revelou que quase metade das discussões sobre mulheres em fóruns anônimos na internet envolvem o uso de termos violentos para se referir a elas. O índice sobe para 69% quando o assunto é pornografia. A pesquisa intitulada “Misoginia e Violência contra Mulheres na Internet: Um Levantamento sobre Fóruns Anônimos” analisou 9,5 milhões de posts em 10 chans (fóruns anônimos) e 47 aplicativos de mensagens.

Os resultados alarmantes mostram que os chans, que geralmente não permitem a participação de mulheres, são palco de discursos misóginos e práticas violência contra mulheres. Apenas 0,3% dos posts examinados tinham como origem chans que permitem a presença de mulheres. Nas discussões sobre pornografia, foram encontrados cerca de 18 mil comentários relacionados a vazamentos ou pedidos de vazamento de fotos íntimas, conhecidas como “nudes”.

A diretora executiva do Instituto Avon, Daniela Grelin, ressaltou em entrevista à Agência Brasil que o aumento do volume de mensagens de fóruns anônimos é preocupante, visto que esses espaços proíbem a participação feminina e têm se popularizado no Brasil. Segundo a pesquisa, o número de mensagens evoluiu de 19 por semana para 228 por hora entre 2021 e 2023, totalizando 38,3 mil posts por semana.

Os chans, abreviação de “channels” (canais), são espaços anônimos de comunicação presentes em páginas da internet não identificáveis pelos mecanismos de pesquisa. No entanto, eles estão se tornando cada vez mais populares, especialmente entre jovens. Nesses espaços, ocorrem ataques verbais direcionados a influenciadoras, celebridades e pessoas com maior visibilidade online. Algumas dessas vítimas chegam a receber ameaças de morte.

É fundamental que sejam realizadas investigações científicas para entender o funcionamento desses fóruns anônimos e como eles têm potencial de levar a violência virtual para o mundo real. Grelin destaca a importância de compreender a dinâmica desses espaços, que podem se tornar verdadeiras oficinas de radicalização, banalizando a violência e desumanizando as mulheres. Ela enfatiza que muitos atiradores em ataques recentes no Brasil eram frequentadores de chans e escolhiam meninas como alvos.

A transformação cultural que antecede os atos violentos é uma questão fundamental para o combate à misoginia. Grelin menciona que algumas letras de funk falam em agredir e estuprar mulheres, o que acaba banalizando essas práticas. Isso gera uma cultura em que as meninas são forçadas a aderir ou são excluídas.

Para combater esse tipo de violência, o Brasil deve se espelhar em medidas adotadas por outros países, como é o caso da França, que implementou leis e regulamentos para coibir práticas misóginas. De acordo com Grelin, as plataformas responsáveis pelos fóruns anônimos também devem ser responsabilizadas, pois são arenas de propagação desses conteúdos e precisam reduzir o teor misógino que desumaniza as mulheres.

A pesquisa revela que os frequentadores dos chans, em sua maioria, são homens heterossexuais, jovens na faixa etária de 14 a 40 anos, com maior incidência entre 20 e 24 anos. Eles se identificam como conservadores politicamente, apresentam dificuldades socioafetivas, sentimentos de fracasso e rejeição, além de fazerem uso de expressões racistas e machistas. São frequentes os termos como “churrascar” (morrer) e “raid” (expor intimidades).

Os fóruns anônimos possuem um alto grau de sofisticação, de modo que, quando um é eliminado, outros surgem em seu lugar. É essencial que as forças de investigação policial compreendam a dinâmica desses espaços e identifiquem oportunidades de intervenção direcionada e sistêmica. Além disso, é necessário realizar um trabalho de responsabilização com base em ciência de dados e sofisticação tecnológica. Ao mesmo tempo, é preciso conscientizar os jovens sobre os danos causados por essas práticas no mundo real, buscando uma reconscientização moral.

A indústria da pornografia, que não é anônima, tem um impacto significativo nessa problemática. Além de promover a cultura de desumanização da mulher, ela produz conteúdos radicais, violentos e não consentidos, alimentando um ciclo de vícios com consequências danosas para as mulheres em todo o mundo. É fundamental combater a disseminação desses conteúdos e responsabilizar a indústria pornográfica.

Diante do preocupante cenário de misoginia e violência contra mulheres na internet, é necessário um trabalho conjunto entre governos, instituições de pesquisa, forças de segurança e sociedade civil para combater a disseminação desse ódio e garantir um ambiente virtual seguro para as mulheres.

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