Estudo publicado na “Nature” defende reversão de medidas do governo federal favoráveis à pavimentação da BR-319 na Amazônia.

Um novo parecer publicado na revista científica “Nature” defende a reversão de medidas recentes tomadas pelo governo federal que favorecem as obras de pavimentação da BR-319, rodovia que conecta Manaus, no coração da Floresta Amazônica, a Porto Velho, no “arco do desmatamento”. Segundo os pesquisadores, o asfaltamento do trecho pode prejudicar as metas climáticas ao acelerar a perda da biodiversidade no bioma, além de propiciar saltos de zoonoses — doenças infecciosas transmitidas dos animais para os seres humanos — que podem desencadear novas pandemias.

Construída durante a ditadura militar, no início dos anos 1970, a via foi abandonada na década seguinte e costuma ficar intransitável entre dezembro e maio por conta do lamaçal do período chuvoso. Em novembro, um grupo de trabalho foi criado pelo governo federal para estudar o assunto. A pavimentação da estrada é apoiada pelo governo do estado e por parlamentares.

O estudo, assinado pelos pesquisadores Lucas Ferrante e Guilherme Becker, aponta que o governo brasileiro “está minando suas próprias alegações de que está protegendo a Amazônia”. O anúncio da pavimentação, por meio da inclusão do trecho do meio da rodovia no Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA) — para o período de 2024 a 2027 —, ocorreu dois dias após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursar na cúpula climática COP28, em Dubai.

“Este bloco da floresta é o maior reservatório de patógenos do nosso planeta, tais como vírus, fungos, bactérias e príons. O asfaltamento aumentará tanto o desmatamento como a mobilidade humana na região. Estes fatores tendem a propiciar saltos zoonóticos que podem resultar em uma sequência de pandemias e no fortalecimento da disparidade na saúde pública” explica Ferrante.

Na Conferência, realizada em dezembro do ano passado, o chefe do Executivo afirmou que “o planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos” e defendeu a retomada do multilateralismo para a aceleração do cumprimento das metas de descarbonização da economia.

Microbiologista e epidemiologista, Becker explica que o potencial de desenvolvimento agrícola na região da BR-319, assim como o desmatamento, favorece uma fração dos animais selvagens que servem como reservatórios para diversos patógenos humanos, como roedores, “ampliando assim o risco de transmissão de doenças”. Além disso, a deterioração da biodiversidade abrangeria toda a riqueza de potencial farmacológico que poderia contribuir para a cura de diversas enfermidades.

Os pesquisadores apontam também que a pavimentação da rodovia visa a facilitar o acesso a áreas de exploração de petróleo e gás. Em 13 de dezembro, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) vendeu os direitos de exploração em 602 áreas, sendo 21 delas na bacia amazônica, acessadas por meio da BR-319 e de estradas secundárias.

Na semana seguinte, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental da obra e cria a possibilidade de uso de verbas do Fundo Amazônico — destinado a proteger a floresta tropical — no empreendimento. Ferrante defende que o governo federal feche definitivamente a rodovia, suspendendo as licenças tanto de instalação, concedida em julho de 2022, como de manutenção.

“O Ministério Público deve atuar para anulação do projeto de lei. As ações recentes do governo sepultam o discurso ambiental da gestão Lula e tornam as falas do presidente na COP28 apenas uma “maquiagem verde” para planos que tendem a levar a Amazônia ao ponto de não retorno” aponta o pesquisador.

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